Robson Martins

Pós-graduado em Arterapia, artista visual, professor de arte e luthier alternativo em Niterói/RJ. 

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Moto-Perpétuo

Publicado em 11 de novembro de 2023.

Me pego pensando em Leônidas, comandando 300 espartanos, no ano de 481 a.c., armados com escudos, lanças, espadas e capacetes, durante 3 dias, na Garganta de Termópilas, tentando impedir a invasão dos Persas. Façanha historicamente reconhecida e transmitida através dos séculos.

Uma outra não tão  histórica e até invisível façanha,  ocorre no século XXI d.c.  com os  Professores em sala de aula, dias, meses, anos, durante pandemias, as vezes compensando aulas devido a paralização por seus direitos ( luta quase sempre perdida ), armados da garganta, livros, parte do seu salário, caneta, lápis, tinta guache, papel, pincel, criatividade, conversas e abraços, tentando impedir que a invasão da Ignorância, Má educação, Falta de respeito e Violência  transponham os Muros da Escola.

Outro feito historicamente transmitido através dos séculos é a pintura da Capela Sistina. Encomendada pelo Papa Júlio II no ano de 1505, século XIV, Michelângelo durante 4 anos, auxiliado por uma equipe que cuidava da fabricação das tintas, ampliação dos desenhos originais, organização e limpeza dos pincéis com o objetivo de produzir as belezas da proporcionalidade, o equilíbrio das formas, a harmonia dos tons, a perfeita perspectiva e a luz das cores.

No século XXI d.c. uma estrutura que, pode, lembrar um Papa, também, contrata Professores para realizar essas questões da beleza da proporcionalidade ( proporções  adequadas de comportamento), o equilíbrio das formas ( a forma perfeita do uso da língua vernácula ), a harmonia dos tons ( equilíbrio na intensidade da voz na interação social ), a perfeita perspectiva ( promover o vislumbrar a perspectiva dos sonhos e quereres ) e a luz das cores ( lapidar o brilho das cores, dos conhecimentos, no olhar dos alunos ) sem auxiliares e por tempo indeterminado. Até se aposentar ou morrer.

É possível que o Professor seja um cidadão que utiliza, metaforicamente e literalmente,  todas as ferramentas das profissões: seja, Pedreiro, Carpinteiro, Marceneiro, Serralheiro, Mecânico, Soldador, Advogado Engenheiro, Arquiteto, Cientista, Dentista, Desembargador, Juiz, Político, IA, Artesão, Artista Visual, Ator, Escritor, Dramaturgo, Mágico, Costureira, etc...

Mas, as ferramentas imprescindíveis, de todos os dias, são: FITA COLORIDA, SOLDA DE PRÓPOLIS, AGULHA DE PÓLEN,  LINHA DO HORIZONTE, PREGO DE TALO DE COUVE,  VELCRO DE CARRAPICHO, PARAFUSO DE RABICÓ  E COLA DE QUIABO,  porque os Alunos,  chegam aos pedaços.

A Ilha

Publicado em 11 de novembro de 2023.

Acervo pessoal do autor

Costão do Santinho, Florianópolis/SC

Reza a lenda que ao atravessar a ponte para a ilha, é prudente pedir licença as bruxas. Iniciei um pensamento, prece/passaporte, com intenções Franciscanas, sentimentos unicamente de contemplação e fui seguindo, enumerando uma série, com vários episódios, de promessas contendo respeito, na esperança de uma delas, ser aprovada pela guardiã, mas não consegui terminar pois o Uber já tinha atravessado a ponte, quase flutuando harmonicamente sobre montanhas, rios , florestas, parando em uma curva, na Lagoa da Conceição, para dar passagem a pedestres. Olhei para o lado e na loja Abracadabra, uma bruxa, exposta na vitrine, piscou o olho. Entendi a licença concedida.

Em frente ao TILAG[1] as malas nos levaram até ao quarto onde abrimos a janela e deixamos a névoa com a chuva fina, entrar com a Magia da Ilha, acompanhando os movimentos, maestrinos, regendo a abertura das malas, na esperança, de um sol maior no dia seguinte. 

Chovia quando compramos a Tarifa Lacustre Regional P3 Turístico Araçás que, atende a população que mora na Lagoa. Entramos no barco, sentamos em frente a janela e nos unimos aos estudantes, trabalhadores, barqueiros, moradores, sonhadores, poetas, turistas que irão se espalhar pelos 23 TRAPICHES[2] atendidos pela empresa Cooperbarco.

1756

A névoa deu uma trégua e o sol atravessou o Arco de CANTARIA[3] que emoldura a porta da igreja, iluminando o ARABESCO[4] que venho entalhando na grade de jacarandá que separa o altar do salão.

O pároco açoriano Domingos Pereira Teles juntamente com o mestre de obra me incumbiu de criar esse entalhe devido ao meu conhecimento do estilo barroco que aprendi nos Açores.

Me levantei, depositei o formão e o MACETE[5] sobre a mesa, passei as mãos sobre os braços suados tirando os fragmentos da madeira, caminhei até a porta me esticando com as mãos nas cadeiras e saí para a rua ver a Igreja de Nª Sª das Necessidades, faltando apenas o acabamento da Torre Sineira com previsão antes do mês de junho para que se possa unir a inauguração com a comemoração da festa no dia treze de junho de mil setecentos e cinquenta e seis, em homenagem a Santo Antônio de Lisboa.

Vinte e nove de outubro de dois mil e vinte e três. Após a troca de ônibus nos terminais, chegamos a Santo Antônio em dia de sol destacando as cores dos casarios Açorianos. Caminhamos até a igreja e entramos. Minha esposa sentou-se em contemplação. Fui até próximo ao altar onde me agachei para apreciar o Arabesco de minha autoria.

O balanço do barco, São Jorge III, singrando a névoa e a chuva fina, era rotina para os jovens estudantes com sua dinâmica alegre e espirituosa fazendo um contraponto com o som repetitivo do motor da embarcação. As conversas entre as senhoras com sacolas de compras e vizinhos da Lagoa não incomodava os olhos ávidos das câmeras dos celulares dos visitantes e mochileiros em uma hipnose de beleza coletiva.

O motor diminuiu sua marcha anunciando a chegada ao Trapiche de nº 7 e o barqueiro em um rápido e preciso movimento enlaçou um pontilhão de madeira para atracar o barco.  Mochileiros e moradores iniciaram uma fila para entrar e um grupo de pessoas com sacolas de compras ficaram em pé se equilibrando no balanço das águas, aguardando o auxílio do barqueiro.

7000 anos

Imprimia mais força, naquela tarde de sol, segurando firmemente a ferramenta de pedra pontiaguda para sulcar, possessivamente, linhas na gigantesca pedra negra que se submetia aos riscos, impávida, em frente ao mar. A minha frente vários espectadores, jovens e adultos, olhavam incrédulos a performance. Alguns friccionavam fragmentos de pedra sobre outras mais duras para desbastar, criando uma ponta que tem o objetivo de produzir riscos e sulcos. Eram meus admiradores e auxiliares que mantinham as ferramentas atualizadas. Minhas mãos e suas linhas, apesar de grossas, ficavam cortadas com o esforço para sulcar nas pedras negras as formas dos irmãos e amigos do nosso grupo e as  linhas que povoavam a minha mente resultante da observação do movimento do vento e das ondas do mar.

Trinta de outubro de dois mil e vinte três. O uber foi até ao final da rua Raul Pereira Caldas, fez o retorno em frente a Torre de Salva Vidas de cor amarela e retornou. Descemos ao lado do restaurante Beira D´água e caminhamos em direção ao Museu Arqueológico, a céu aberto, criado para divulgar e preservar as obras rupestres. Chegamos ao final da caminhada na areia e subimos em direção ao Morro da Aranha, seguindo um caminho marcado por informações sobre os grafismos Arqueológicos que datavam de  7000 anos. Paramos sob uma estrutura de madeira e cordas que tinham o objetivo de proteger o tesouro do sol e vento. Parei demoradamente em frente aos desenhos que produzi. Olhei para as linhas nas pedras e para as minhas mãos. As mesmas linhas curvas. No alto, construído em tubos de ferro, meus irmãos e amigos do grupo me olhavam  inertes sob o vento.

 Trapiche vazio de quem estava para sair e cheio de quem acabava de chegar, seguiu sua vida de intermediário, enquanto o barco seguia seu  rumo mostrando a paisagem de vilas, costas de areias brancas e  pedras,  trilhas e matas,  aos visitantes, turistas embevecidos, como eu, que incansavelmente olhava o movimento do barco parando e trocando de gente nos Trapiches .

Falei para o barqueiro que vamos saltar no nº 16 onde tem uma Escola Municipal, Igreja e a Sra. Onélia. Acenou com a cabeça e um olhar que falava: - Não precisava tanta referência!

A Sra. Onélia, conhecemos quando retornando de um passeio, no finzinho de tarde, passando perto da entrada para o Canto do Araçá. Minha esposa vendo o atracadouro dos barcos, sugeriu conhecermos a costa da Lagoa. Compramos os bilhetes de ida e volta e entramos no barco que saiu junto com a chuva que caiu. Sentados em frente a janela vendo os pingos patinando nos vidros criando mapas imaginários que nos faziam suspirar ao lembrar das paisagens que enfeitaram nossos dias. O barqueiro interrompeu nossos suspiros:

- Vocês vão saltar aqui no Trapiche nº 16. Aguardem que retornaremos dentro de 1 hora.

- Olhamos em volta e só a chuva. Retruquei:

- Vocês voltam mesmo?

Ele respondeu de dentro do barco se afastando:

- Deem uma volta. Tem um centrinho, Igreja e restaurantes!

Abrimos o guarda-chuva  e fomos seguindo por um caminho de madeira que levava a todos os restaurantes. Chegamos ao último e uma Sra. veio nos atender. Pedimos uma garrafa de água e uma conversa simpática e cordial nos tranquilizou sobre o barco, horário e nos convidou para almoçar em outro dia.

- Trapiche nº 16! Falou o barqueiro.

Agradecemos e seguimos pelo caminho de madeira, já conhecido, até ao restaurante da Sra. Onélia que nos recebeu carinhosamente. Foram duas horas de conversas sobre a vida, encontros, histórias de tudo, inclusive de pescadores e os pratos de tainha frita, filé de robalo, arroz, pirão, caipirinha e um grande e caloroso abraço de despedida.

As cinco horas o barco nos recebeu do Trapiche e seguimos para a estação. Quietos, em meio as conversas que se embaralhavam na embarcação não pude deixar de pensar na Magia da Ilha que entrou em nosso quarto de hotel com a névoa e a chuva fina, quando abrimos a janela e se espalhou por nossa roupa e pele nos proporcionando o Ânima, o Prãna,   as sensações especiais da transposição no tempo, o caminhar e tocar a terra negra e o quartzo bruto de cor lilás na trilha de 1,3 Km,   do Gravatá.

O abraço da Sra. Onélia nos trouxe o conforto de que a Ilha nos acolheu.




[1] Tilag – Terminal de Integração da Lagoa da Conceição/Florianópolis

[2] Trapiche – Cais para embarque e desembarque.

[3] Cantaria – Técnica de cortar e preparar rochas para construção

[4] Arabesco – Forma de decoração artística

[5] Macete – Tipo martelo usado na carpintaria



08/11/2023