Publicado em 28 de maio de 2023.

Lisiane Melo

 Multipotencial: escritora, artista, professora, terapeuta, comunicadora, buscadora e nômade. Formada em Letras, pós-graduada em Linguística Aplicada, com experiência de trabalho ampla e variada. É uma pessoa curiosa, criativa, divertida, alegre e sagitariana. Ler, escrever, ouvir e contar histórias é o que a conecta ao mundo e às pessoas. Atualmente reside em São Francisco do Sul/SC. 

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Obra (morta) viva  


Construção

aço, ferro, cobre, cimento

tá – tá – tá – tá

O bate estaca marca o tempo.

Reconstrução

O novo de novo

A vida forjada à fogo no vento

pi pi pi pi

O carro em marcha ré traz o alimento

O alumínio das marmitas reluz ao sol

Não falta muito

Após o almoço começam os acabamentos.

Pá...

Despenca um andaime.

É possível ver sangue.

Desordem. Caos. Silêncio.

A noite cai. Tudo finda.

Um novo dia logo se inicia.

Renovação.

Ordem. Respeito.

Segue a vida severina.

Três Atos 


Palavra é arma. Seguro a caneta sobre o alvo. Disparo. Pah. Resquícios de amor e de dor entre os dedos. O alvo deixa de ser branco e passa a ser papel e tinta da caneta tinteiro. Palavra é bala. Que perfura e machuca ou convive em paz e pra sempre encontra morada. Vivo com uma bala alojada no peito. Fui baleada ainda pequena pela palavra. Ela me tem e eu tenho a ela. Todos os alvos que miro são sempre repletos de cores antes mesmo de as palavras conter. Vejo branco, miro cor. Pah, pah, pah. Vários disparos. O amor mora na cor e na dor de cada disparo. Braços de mirar, dedos de fogo, cabeça de vento, coração alvo e tinteiro. Silêncio é arma. Pah. Encontro. Pah. Aconchego. Pah, pah, pah. Clareza. Pah. Palavra. Pah. Tudo. Pah. Nada. Pah. Plenitude. Escuta é guerra. Onde tua palavra encontra o meu silêncio. Onde o teu silêncio encontra o meu disparo. É sangue, é bala, é ferro, é voz, é imagem, é paz, é calmaria. Aff... Maria, nem acredito que morri pra poder me encontrar aqui. Sente? Percebe? Escuta. Fala. Escreve. A palavra tem poder. A escuta também. E o silêncio é como o terceiro sinal que anuncia o grande ato. Disparo. Pah. Completude.

Expira(dor) 


Escorre o tempo pelo relógio.

Uma volta, duas voltas, muitas voltas, nenhum retorno.

Espero.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

Engulo o choro e a lágrima redonda desce em espiral.

O início, o meio, o fim que não finda.

Descalça procuro descanso.

Me encolho feito um caracol.

Não há mais sol e o vento venta varrendo tudo.

A espera é pelo tempo que não vem.

O que resta é acolher o temporal.

Chover, doer, ranger.

Cinza, escuro, nublado.

Momento de se lançar à tempestade.

Recolher, reviver, reconhecer.

E depois se acostumar.

Chorar, andar e amar com o peito aberto.

Compreender a simplicidade do teu gesto que parte.

E o sincronismo dos ponteiros que me obrigam a ficar.