Vou ser velha só quando quiser

Cristina Gallas

Publicado em 10/05/2024

Acervo pessoal

Ando sofrendo de brainstorming esquizofrênico; tal fato me permite ter insights a respeito da vida nas 24h do dia e impulsivamente, bastando para isso, ativar algum dos 5 sentidos da percepção. E olha que quando os 5 sentidos se agrupam... a catarse é imediata. É como ser abduzida para uma dimensão exotérica e voltar à realidade em ciclos. Fiquem calmas, nenhum efeito psicotrópico estimula o processo, nada além de um expresso habita meu corpo ou um chimarrão. É só a urgência da vida batendo à minha porta. 


Acordei dia desses, a reclamar de um incômodo nos tornozelos e a maldizer a velhice. Nem café, nem música resolveram o mau humor e fui admirar o sol que banhava as minhas plantas. Essas plantas são sobreviventes. Foram doadas por uma amiga que coletou-as por aí e agora trocou de endereço. Vasos improvisados, algumas mutiladas, outras murchas. Todas foram recolhidas do descarte de seus “cuidadores” iniciais e agora estou na “curadoria bio”. Coloquei algumas na terra e outras na água, improvisando e adaptando no possível, e são elas que escutam meus discursos existenciais. Tenho fãs, 2 já floresceram. 


Pois bem, neste dia de mau humor, identifiquei um micro broto num caule seco de uma suculenta que vive numa xícara vermelha que perdeu a alça. Pura resistência e rebeldia da planta, porque eu a tenho mantido de castigo, colocando a parte mais jovem contra o sol em benefício do caule senil. Foi nesse momento que o tal brainstorming se manifestou: me vejo ali. 


Há uma briga interna em mim: uma energia vulcânica me faz produzir coisas, encarar desafios, sem esquecer das muitas outras ideias que estou incubando. E o corpo aqui e ali mandando mensagens dizendo que não vai dar conta de tudo nesta vida. E meu cérebro gaulês acreditando na descoberta da poção mágica. Como resolvo? Aí a suculenta minimalista e soberana entra em cena para cutucar-me: achei outro minúsculo broto, uma vírgula verde naquele caule murcho. 


Vou apaziguando meu mau humor, rindo de mim mesma gastando energia em reclamar de algo natural que me pertence: tenho dores, tenho rugas e um corpo perdendo vitalidade e murchando, e se as vejo e sinto é porque muitos anos se passaram desde que nasci. Estou envelhecendo desde esse dia. E vim acumulando memórias. Agora é só outra fase: acolher a decrepitude e exaltar a sabedoria. Não sei se inversamente proporcionais ou paralelas... decrepitude e sabedoria a gente percebe na medida que se importa. O insight do dia: vou ser velha só quando eu determinar. Até lá, seguirei rebelde e resistente como a suculenta, estimularei meus brotos enquanto exalto o corpo que me permite ir e vir. 


O brainstorming esquizofrênico chegou ao ápice quando meu cérebro descobriu a poção mágica: determinar quando é que serei velha. E estimei a data para quando eu fizer 69 anos, o número é sugestivo.  Até lá, tenho muito tempo para continuar de mau humor e encontrar antídotos nos momentos de cada dia. Percebendo a velhice dando os ares da graça e me rebelando ao ver graça no mundo à minha volta. E quando chegar lá? Aí, renovando a rebeldia, determino outra data e sigo desfrutando. 


Já percebi que esse tal brainstorming vai pautar minhas próximas conversas, porque tem ocupando espaço imenso nos meus arquivos mentais. E já assumi que é orgânico, estando além da minha vontade. Rendição posta, é só ir com calma mastigando e digerindo. Engolir só quando o sabor é bom, do contrário regurgito em um humor e depois vou temperando em textos, falas e ações porque não quero mais envenenar esse corpinho jovem até os 69. 


Revisão: Kelly Gularte

Edição: Rosana Siqueira