A liberdade da escolha
Cristina Gallas
Publicado em 05/10/23
As caminhadas têm sido um movimento diário. Diria que agilizam minha integração aos costumes locais desta nova morada e eu desfruto das ruas, do vozerio, do cenário como um expectador sagaz e espirituoso, ávida por novidades.
Locais não me faltam para compor esse meu repertório. Ao sair à rua, qualquer direção que eu siga vai dar em algum lugar desconhecido. O desafio é saber voltar pra casa. E nem pensar nessa coisa de ajuda tecnológica, quero é decidir o rumo por mim mesma e, em último caso, buscar ajuda com outro ser humano, no velho estilo do século passado. Aliás a toda hora tenho flashbacks percorrendo um túnel do tempo fantástico, seja o das minhas memórias pessoais ou do contexto histórico das 5 décadas que já vivi.
Nestas situações preciso contextualizar e fazer uma adequação de plano temporal pois em dias de iPhone15 vejo lojas de armarinhos a vender os sutiãs que minha avó usava. Parece que posso escolher em que realidade vivo a cada minuto. Ou junto todas elas num caldeirão e vou apreciando a mistura que acontece. A diversão é garantida mas os outros devem achar-me tão estranha quanto eu a eles.
E isso acontece passeando pelas ruas. É o desfrutar da tal liberdade: de pensar, de ser, de estar e de agir. Vou aonde quero, observo o que me dá vontade, elaboro as opiniões que achar interessante e ....não preciso curtir ou compartilhar! Ninguém quer saber a minha opinião. Qualquer pensamento me é permitido, até os mais libidinosos ou bizarros, porque não julgo e não sou julgada. Eu ando movida a risadas. Se algum conhecido me visse, certamente daria um falatório preconceituoso na cidade.
Nas ruas circulam casais de todos os gêneros, jovens senhoras octogenárias bebem café num buteco, adolescentes estão no trote da escola, crianças esperam os pais comprar um gelado, muitos vão à missa, indianos passeiam de turbante ou vejo o hijabe mulçumano com frequência. Todas os tons de pele podem estar na mesma praça. E que maravilha, eu estou nela também.
Antes acostumada a padronização da moda, que iguala todos aos mesmos gostos e vontades, agora me surpreendo com todos os estilos de roupa, unhas e penteados circulando juntos. A maioria fuma muito, café ou cerveja estão na mesma pastelaria de jovens e velhos. Sim, a velhice das bengalas combina com cigarro, cerveja e café e algo mais que me tenha escapulido da minha identificação sensorial.
No supermercado além da sessão higiene, limpeza, alimentícios, roupas .....há nutracêuticos e brinquedos para adultos. O freguês pode escolher entre material escolar ou de diversão. Se é tudo tão tranquilo eu não sei, mas está tudo ali na vitrine e pode-se admirar. Na igreja além das missas diárias, tem confessionário semanal e um público fiel que faz a cantoria ecoar melodiosamente na abóbada principal. São múltiplos os ambientes onde observo a também multiplicidade dos comportamentos todos os dias.
Importa é que escolhi estar aqui. Meu encanto com a diversidade faz parte do deslumbramento de quem chegou agora mas sem deixar de perceber o colchão do morador de rua ou a cara feia da xenofobia. Cada vez mais percebo que há problemas mas a cada detalhe reforço a minha convicção de que escolhemos o que incluir no próprio portfólio. E para isso eu quero andar pelas ruas a qualquer hora e na minha velocidade para desfrutar de uma realidade genuína e objetiva, nem bela ou feia, e que existe de verdade.
Liberto minhas memórias anteriores e me libero para as novas. Escolho escolher o pensamento livre e desfruto de ser livre para pensar. A liberdade é divertida também.